O
Cérebro e a Linguagem
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Revista:
Viver Mente & Cérebro Scientific American
Ano XIII Nº143 - Dezembro 2004 |
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António
Damásio e Hanna Damásio
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Estruturas
essenciais de mediação coordenam a atividade
dos centros cerebrais. Alguns destes centros são
especializados na elaboração dos conceitos,
outros, na de palavras e frases.
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Os
neuropsicólogos que estudam a linguagem tentam
compreender como utilizamos e combinamos palavras (ou
signos, no caso de uma linguagem gestual) para formar
frases e transmitir os conceitos elaborados pelo cérebro.
Investigam também como compreendemos palavras
expressas por outros e de que forma o cérebro
as transforma em conceitos.
A
linguagem surgiu e se manteve ao longo da evolução
porque constitui um meio de comunicação
eficaz, sobretudo para conceitos abstratos. Ela nos
auxilia a estruturar o mundo em conceitos e a reduzir
a complexidade das estruturas abstratas a fim de apreendê-las:
é a propriedade de "compreensão cognitiva".
O
termo "chave de fenda", por exemplo, evoca
várias representações dessa ferramenta:
as descrições visuais de sua aparência
e utilização, as condições
específicas de seu emprego, a sensação
que provoca seu manuseio ou o movimento da mão
quando a utiliza. Da mesma forma, a palavra "democracia"
é associada a diversas representações
conceituais. A "economia cognitiva" que a
linguagem autoriza ao reagrupar numerosas noções
sob um mesmo símbolo permite-nos elaborar conceitos
complexos e alcançar níveis de abstração
elevados.
Na
aurora da humanidade, a palavra não existia.
A linguagem surgiu quando o homem, e talvez algumas
espécies que o precederam, soube conceber e organizar
ações, elaborar e classificar as representações
mentais de indivíduos, eventos e relações.
Da mesma forma, os bebês concebem e manipulam
conceitos e organizam inúmeras ações
bem antes de pronunciar as primeiras palavras e frases.
Entretanto, nem sempre a maturação da
linguagem depende da dos conceitos: algumas crianças
têm deficiência dos sistemas conceituais,
mas possuem uma sintaxe correta. Os centros neuronais
que asseguram certas operações sintáticas
parecem se desenvolver de forma autônoma.
A
ASSOCIAÇÃO DE SÍMBOLOS
A
linguagem surge como produção humana voltada
para o mundo exterior (um conjunto de símbolos
corretamente ordenados, difundido para fora do organismo)
e representação intracerebral destes símbolos
e regras para associá-los. O cérebro representa
a linguagem e qualquer outro objeto da mesma forma.
Ao estudar as bases neuronais da representação
de objetos, eventos e suas relações, os
neurologistas esperam descobrir os mecanismos de representação
da linguagem.
O
cérebro elabora a linguagem mediante a interação
de três conjuntos de estruturas neuronais, segundo
acreditamos. O primeiro, composto de numerosos sistemas
neuronais dos dois hemisférios, representa interações
não lingüísticas entre o corpo e
seu meio, percebido por diversos sistemas sensoriais
e motores; ele forja uma representação
de tudo o que uma pessoa faz, percebe, pensa ou sente.
Além de decompor essas representações
não lingüísticas (forma, cor, sucessão
no tempo ou importância emocional), o cérebro
cria representações de nível superior,
pelas quais gere os resultados dessa classificação.
Assim ordenamos intelectualmente objetos, eventos e
relações. Os níveis sucessivos
de categorias e representações simbólicas
produzidos pelo cérebro gerenciam nossa capacidade
de abstração e de metáfora.
O
segundo, um conjunto menor de estruturas neuronais,
geralmente situadas no hemisfério esquerdo, representa
os fonemas, suas combinações e as regras
sintáticas de ordenação destas
palavras em frases. Quando solicitados pelo cérebro,
esses sistemas reúnem palavras em frases destinadas
a ser ditas ou escritas,- se demandados em reação
a um estímulo lingüístico externo
(uma palavra ouvida ou um texto lido), asseguram os
processamentos iniciais das palavras e frases percebidas.
Enfim, o terceiro conjunto, também presente no hemisfério esquerdo, coordena os dois primeiros. Produz palavras a partir de um conceito ou conceitos a partir de palavras. Alguns trabalhos psicolingüísticos já haviam indagado a existência dessas estruturas mediadoras. Willem Levelt, do Instituto de Psicolingüística de Nimégue, Holanda, sugeriu que as palavras e as frases são elaboradas a partir de conceitos por um elemento mediador chamado de "lema".
DIZER
AS CORES
Esta
organização em três partes é
bem ilustrada pelos conceitos e pelas palavras que representam
cores. Mesmo quem sofre de um déficit congênito
de percepção das cores sabe que algumas
delas são próximas, independentemente
de sua luminosidade e saturação. Os conceitos
de cor são universais ainda que, em certas línguas,
não existam nomes que as designem. O processamento
inicial dos sinais da cor é feito pela retina
e pelo corpo geniculado lateral e então pelo
córtex visual primário e por pelo menos
duas outras áreas corticais, V2 e V4, os primeiros
centros de processamento da percepção
das cores.
Descobrimos
que lesões nas regiões onde estão
V2 e V4 provocam a perda da percepção
das cores em pacientes antes normais: eles tornam-se
incapazes de imaginar as cores e vêem o mundo
em preto e branco. Quando pensam em uma imagem colorida,
vêem formas, movimentos e texturas, mas nenhuma
cor: um jardim, o sangue ou uma banana não os
fazem pensar no verde, vermelho ou amarelo. Como nenhuma
lesão em outras regiões cerebrais produz
semelhante deficiência, os conceitos de cor parecem
depender dessas zonas occipitais.
Pacientes
com lesões nos córtices temporal posterior
e parietal inferior esquerdos conservam a capacidade
de elaborar conceitos, mas pronunciam mal as palavras.
Ainda que percebam corretamente uma cor e saibam seu
nome, pronunciam-no mal, dizendo, por exemplo, "zul"
em vez de "azul".
Outros
com lesão no segmento temporal da quinta circunvolução
occipital esquerda sofrem de anomia das cores, problema
que não afeta nem os conceitos de cor nem a pronúncia
dos nomes de cor: eles percebem cores normalmente (distinguem
as diferentes tonalidades, classificam-nas corretamente
segundo sua saturação e conhecem a cor
dos objetos fotografados em preto-e-branco), mas não
as nomeiam corretamente. Utilizam "azul" ou
"vermelho" para designar verde ou amarelo,
mas colocam corretamente uma ficha verde ao lado de
uma foto em preto e branco de um vegetal, ou uma amarela
ao lado da imagem de uma banana. Inversamente, quando
lhes dizemos o nome de uma cor, designam uma outra.
Como pronunciam corretamente o nome - inexato - da cor
que designam e como seu sistema de concepção
da cor e de pronúncia estão intactos,
sua deficiência resulta do sistema neuronal de
mediação entre os dois sistemas de manipulação
dos conceitos e de palavras.
REPRESENTAÇÃO
CEREBRAL
A
mesma organização existe para outros conceitos.
Sob que forma física eles são representados
em nosso cérebro? Supomos que não exista
representação "pictórica"
permanente de objetos e pessoas, mas que o cérebro
conserve uma "impressão" da atividade
neuronal que se exerce no córtex sensorial e
motor durante sua interação com um objeto.
Esta impressão corresponde a um circuito de neurônios
e sinapses cuja atividade recria aquela que caracterizou
cada objeto ou evento memorizado. Ativada, uma impressão
pode suscitar outras associadas (ver pág 48).
O cérebro registra não só os diversos
aspectos da realidade exterior, mas também o
modo pelo qual o corpo explora o meio e reage a ele.
Os sistemas neuronais que descrevem as interações
entre uma pessoa e um objeto registram um encadeamento
rápido de micropercepções e de
microações quase simultâneas. Modificações
ocorrem em várias regiões especializadas,
cada uma subdividida em vários centros,- a área
visual, por exemplo, é composta de centro menores,
especializados no processamento de cor, forma e movimento.
Mas
onde são conservadas as impressões que
ligam estas atividades fragmentadas? Acreditamos que
seja em grupos de neurônios para os quais convergem
axônios provenientes de regiões mais externas,
de onde partem axônios que enviam retroativamente
os sinais para áreas mais internas. Uma reativação
destas zonas de convergência excita simultaneamente
vários grupos de neurônios anatomicamente
separados e dispersos, que reconstroem a atividade mental
previamente registrada.
Se
o cérebro armazena as informações
relativas aos objetos e seus usos, também ordena
estas informações, de forma que eventos
e conceitos associados (formas, cores, trajetórias
no espaço e no tempo, movimentos e reações
corporais) possam ser reativados simultaneamente. Estas
informações são classificadas com
a ajuda de outra impressão, situada numa zona
de convergência diferente. As representações
das principais propriedades dos objetos e dos eventos
estão assim imbricadas: em relação
à xícara, por exemplo, o cérebro
registra dimensões, forma, matéria, estado
sólido, deslocamento ao longo de uma trajetória
precisa e a sensação que provoca nos lábios.
A
atividade dessas redes neuronais convergentes assegura
a compreensão e a expressão da linguagem.
Ativadas, estas redes reconstituem os conhecimentos
para remetê-los à consciência, onde
estimulam os centros de mediação entre
conceitos e linguagem e onde permitem a formulação
correta de palavras e estruturas sintáticas associadas
aos conceitos. Como o cérebro registra simultaneamente
aspectos variados das percepções e das
ações, estas redes produzem também
representações simbólicas como
as metáforas.
As
lesões nas regiões do cérebro correspondentes
a estas redes provocam deficiências cognitivas
associadas às diversas classes de conceitos processados
pelo cérebro; a acromatopsia é um exemplo.
Elisabeth Warrington, do Hospital das Doenças
Nervosas, de Londres, descobriu que certos pacientes
são incapazes de reconhecer objetos de um determinado
tipo. Junto com Daniel Tranel, mostramos que sistemas
neuronais específicos processam conceitos de
certos tipos.
Um
de nossos pacientes, por exemplo, não consegue
manipular os conceitos ligados a entidades isoladas,
como uma pessoa, um lugar ou um evento particular, embora
tenha conhecido estas entidades antes de sua lesão
cerebral. Ele perdeu ainda os conceitos ligados aos
membros de categorias particulares: assim, vários
animais se tornaram para ele completamente desconhecidos,
embora saiba tratar-se de seres vivos. Diante da imagem
de um rato, ele disse tratar-se de um animal, mas não
tinha idéia do seu tamanho, hábitat ou
comportamento.
Curiosamente,
as capacidades cognitivas desse paciente ainda permitiam
que ele manipulasse conceitos ligados a outra categorias
contendo vários elementos. Ele reconhecia e sabia
nomear ferramentas. Dispunha também de conceitos
de atributos de objetos: sabia, por exemplo, o que era
uma coisa bela ou feia; reconhecia ainda o sentido de
idéias que exprimem um estado ou uma atividade,
como estar apaixonado, saltar ou nadar, e compreendia
relações abstratas entre entidades ou
eventos. Em suma, se não podia mais manipular
os conceitos relativos a entidades designadas por nomes
comuns ou próprios, ele processava normalmente
os conceitos referentes a atributos, estados, atividades
e relações, definidos na linguagem por
adjetivos, verbos, preposições ou conjunções;
as estruturas gramaticais não lhe apresentavam
qualquer problema, e a sintaxe de suas frases era impecável.
DOMINÂNCIA
CEREBRAL
Lesões
semelhantes às deste paciente nas regiões
anteriores e médias dos dois lóbulos temporais
deterioram o sistema conceituai do cérebro. As
lesões do hemisfério esquerdo, próximo
à cissura de Sylvius, perturbam mais a formação
de palavras e frases. Essa área é a mais
estudada pelos especialistas em linguagem, desde que
Paul Broca e Carl Wernicke descobriram, há mais
de 150 anos, que as estruturas da linguagem aí
se localizam. Broca e Wernicke comprovaram também
o fenômeno da dominância cerebral: na maioria
dos seres humanos - 99% dos destros e 30% dos canhotos
- os centros da linguagem estão no hemisfério
esquerdo.
O
estudo de pacientes afásicos (que perderam parcial
ou totalmente o uso da palavra) confirma a importância
de estruturas do hemisfério esquerdo na linguagem.
Edward Klima, da Universidade de San Diego, e Ursula
Bellugi, do Instituto de Estudos Biológicos,
em San Diego, mostraram que lesões nas estruturas
cerebrais de formação das palavras são
acompanhadas por afasias da linguagem gestual. Assim,
alguns surdos que apresentam uma lesão cerebral
do hemisfério esquerdo perdem a faculdade de
compreender ou de produzir os signos da linguagem gestual.
Como o córtex visual deles está intacto,
a deficiência não provém de uma
má percepção visual dos signos,
mas da incapacidade de interpretá-los.
Por outro lado, os surdos que apresentam lesões no hemisfério direito, longe das áreas da linguagem, tornam-se por vezes incapazes de ver os objetos situados na metade esquerda de seu campo visual ou de perceber as relações espaciais entre os objetos, embora conservem a capacidade de compreender e utilizar a linguagem gestual. Portanto, o hemisfério esquerdo contém os centros de processamento da linguagem, quaisquer que sejam as vias de transmissão dos signos lingüísticos.
Alguns
neurologistas mapearam os sistemas neuronais da linguagem
ao localizarem as lesões de pacientes afásicos,-outros
analisaram estes sistemas estimulando o córtex
cerebral de pacientes epiléticos que passavam
por uma cirurgia, registrando depois suas respostas
eletrofisiológicas.
As
lesões da região perisilviana posterior
perturbam a composição dos fonemas em
palavras e a seleção das palavras. Pacientes
com lesões como esta são incapazes de
pronunciar corretamente certas palavras (dizem "felefante"
em vez de "elefante", por exemplo) e substituem
por vezes palavras que lhes faltam por outras de sentido
mais geral ("pessoa" em vez de "mulher")
ou por uma cujo sentido está ligado ao conceito
que querem exprimir ("chefe" em vez de "presidente").
Victoria Fromkin, da Universidade de Los Angeles, elucidou
vários mecanismos lingüísticos responsáveis
por tais erros.
As
lesões da região perisilviana posterior
não perturbam o ritmo, a rapidez de elocução
ou a sintaxe das frases desses pacientes, ainda que
às vezes eles se enganem na utilização
de pronomes e conjunções. Essas lesões
alteram também o processamento dos sons ouvidos:
eles têm dificuldade para compreender as palavras
e frases faladas. Este problema não se deve,
como se pensava, à degradação de
um centro de armazenamento do sentido das palavras,
que estaria presente no setor perisilviano posterior,-
decorre, sim, de uma interrupção na análise
acústica das palavras ouvidas, desde as primeiras
etapas de seu processamento.
Os
sistemas neuronais da região perisilviana posterior
registram as informações auditivas e cinestésicas
relativas aos fonemas e às palavras. A descoberta
de projeções neuronais recíprocas
entre as diferentes zonas que memorizam estas informações
revela a importância das interações
entre elas.
A
região perisilviana posterior está conectada
ao córtex motor e pré-motor, diretamente
e por uma via subcortical que inclui os gânglios
da base e da parte anterior do tálamo esquerdo.
A dupla conexão desempenha um papel crucial na
produção dos fonemas, que pode ser governada
pelos circuitos cortical e subcortical ou pelos dois
ao mesmo tempo. A via subcortical assegura a aquisição
dos automatismos lingüísticos, enquanto
a cortical governa a linguagem consciente adquirida
pela aprendizagem associativa.
Quando
uma criança aprende, por exemplo, a palavra "amarelo",
os sistemas de formação das palavras e
de controle motor seriam ativados mediante as vias cortical
e subcortical; a atividade desses sistemas seria correlacionada
à atividade dos sistemas neuronais que governam
os conceitos de cor e a mediação entre
conceitos e linguagem. O sistema neuronal de mediação
conceito - linguagem parece estabelecer uma via direta
para os gânglios de base, de tal forma que uma
fraca ativação da região perisilviana
posterior basta para desencadear a produção
da palavra "amarelo". A aprendizagem posterior
da palavra que designa a cor amarela em uma outra língua
colocaria novamente em jogo a região perisilviana
posterior, que então estabeleceria as correspondências
auditivas, cinestésicas e motoras entre os fonemas.
O
sistema associativo cortical e o sistema automático
subcortical parecem operar paralelamente no processamento
da linguagem. O prevalecimento de um ou outro depende
do nível de domínio da linguagem e da
natureza dos elementos lingüísticos. Segundo
Steven Pinker, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts,
a maioria dos indivíduos memoriza as formas do
passado dos verbos irregulares ingleses por meio da
aprendizagem associativa e as formas dos verbos regulares
por aquisição automática.
A
região perisilviana anterior, próxima
à cissura de Rolando, parece conter as estruturas
que comandam o ritmo da elocução e a gramática.
Os gânglios da base são elementos ativos
desse sistema, como o são também nas conexões
da região perisilviana posterior. O conjunto
está fortemente ligado ao cerebelo e recebe projeções
de várias regiões sensoriais do córtex,
reenviando projeções às regiões
motoras. Entretanto, ainda é desconhecido o papel
dessa estrutura na linguagem e no conhecimento.
Pessoas
com lesões na região perisilviana anterior
falam com uma voz monocórdica, longos silêncios
entre as palavras, utilizando estruturas gramaticais
defeituosas. Omitem freqüentemente os pronomes
e as conjunções e raramente respeitam
a ordem gramatical. Como têm mais facilidade para
encontrar substantivos que os verbos, supomos que diferentes
regiões cerebrais processam essas duas classes
de palavras.
Como
as lesões nessa região perturbam tanto
a expressão como a compreensão das estruturas
gramaticais, acreditamos que os sistemas neuronais desta
área contenham os centros de composição
sintática. Os gânglios da base, que coordenam
os movimentos elementares em um conjunto harmonioso,
poderiam cumprir uma função análoga
na reunião de palavras em frases. A descoberta
de estruturas similares, embora menos desenvolvidas,
no macaco indica que estas estruturas neuronais estão
estreitamente conectadas aos sistemas de mediação
sintática do córtex fronto-parietal nos
dois hemisférios cerebrais (ver pág. 44).
SISTEMAS
DE MEDIAÇÃO
Os
sistemas neuronais de mediação estariam
entre aqueles que processam os conceitos e os que produzem
palavras e frases. Estudos neuropatológicos sugerem
que esses sistemas mediadores governariam a seleção
das palavras que exprimem conceitos e determinariam
a sintaxe que exprime relações entre eles.
Quando
falamos, os sistemas mediadores governam os sistemas
que comandam a formação das palavras e
a sintaxe/ inversamente, quando escutamos um interlocutor,
os sistemas que asseguram a formação das
palavras e a sintaxe comandam os sistemas de mediação.
Tentamos, atualmente, mapear os sistemas que processam
os nomes próprios e os nomes comuns associados
a entidades de diversas classes.
Dois
de nossos pacientes, com lesões no córtex
anterior temporal e mediano, eram capazes de reconhecer
conceitos de qualquer classe (rostos humanos, partes
do corpo, espécies animais ou vegetais, veículos,
construções, ferramentas e utensílios);
sabiam definir funções, local ou valor
das coisas e, quando produzíamos sons associados
a estes objetos, reconheciam os últimos; enfim,
quando vendávamos seus olhos, conseguiam identificar
um objeto colocado entre suas mãos.
Entretanto,
eram incapazes de encontrar o nome de vários
desses objetos familiares. Diante da imagem de um rato,
um deles disse: "Sei do que se trata: é
um animal horroroso; fareja nossos restos; seu focinho
e seu rabo são característicos. Conheço
esse animal, mas seu nome me escapa". Em média,
esses pacientes encontram metade dos nomes que procuram,
ao passo que seus sistemas conceituais permanecem intactos.
A
proporção de palavras esquecidas varia
segundo a classe conceituai das entidades que tentam
nomear. Eles têm mais dificuldade com nomes de
ferramentas e utensílios que com nomes de animais,
frutas e plantas, mas a distinção em jogo
não é aquela que separa objetos naturais
dos fabricados pelo homem: estes pacientes são
perfeitamente capazes de nomear as partes do corpo e
não conseguem nomear corretamente os instrumentos
musicais, objetos tão artificiais e manipuláveis
quanto ferramentas de jardim.
Por
que as lesões causam o esquecimento do nome de
certos objetos e não de outros? Provavelmente
porque o cérebro utiliza diferentes sistemas
neuronais para representar entidades que diferem por
sua estrutura, seu comportamento ou pelo modo como as
consideramos.
Os
nomes próprios também representavam problemas
para esses dois pacientes. Eles eram incapazes, com
raras exceções, de nomear amigos, parentes,
pessoas ou lugares célebres. Diante da foto de
Marilyn Monroe, por exemplo, declararam: "Não
encontro seu nome, mas sei quem ela é: assisti
a seus filmes,- ela teve um relacionamento com o presidente,-
ela se matou ou foi assassinada, talvez pela polícia".
Esses pacientes não sofriam do que chamamos de
agnosia dos rostos ou prosopagnosia (eles reconheciam,
sem hesitação, um rosto), mas eram incapazes
de nomear a pessoa que reconheciam.
Curiosamente, utilizavam verbos sem dificuldade e indicaram, com a mesma precisão que pessoas normais, os correspondentes a mais de 200 estímulos relativos a estados ou ações. O uso que faziam das preposições, conjunções, pronomes e da sintaxe era correto. Quando falavam ou escreviam, substituíam os nomes que faltavam por termos como "objeto" ou "coisa" ou por pronomes como "ele(s)" ou "ela(s)". Os verbos de seus discursos eram, contudo, cuidadosamente escolhidos, pronunciados e conjugados. Enfim, sua pronúncia e prosódia (entonação das palavras e frases) eram perfeitas.
Parece
claro hoje que os centros de mediação
léxica estão localizados em determinadas
regiões cerebrais e que as estruturas neuronais
que ligam os conceitos e as palavras se encontram ao
longo do eixo occipitotemporal do cérebro. Para
numerosos conceitos gerais, a mediação
parece ocorrer nas zonas posteriores da região
temporal esquerda, enquanto que para os conceitos mais
especializados ela ocorre mais para frente, perto do
pólo temporal esquerdo. Observamos vários
pacientes que haviam perdido a memória dos nomes
próprios mas conservavam a maior parte dos nomes
comuns: suas lesões limitavam-se ao pólo
temporal esquerdo e à superfície temporal
mediana do cérebro, poupando as regiões
temporais laterais e inferiores. Por outro lado, estas
últimas áreas sempre estavam lesadas em
pacientes com dificuldade para encontrar os nomes comuns.
As lesões que atingem o córtex temporal anterior e mediano perturbam a utilização dos nomes comuns, mas não a dos nomes de cores. As correlações entre estas lesões cerebrais e os problemas da linguagem revelam que o segmento temporal da quinta circunvolução occipital governa a mediação entre os conceitos e os nomes de cor, enquanto as estruturas neuronais situadas na extremidade oposta da rede, no lóbulo temporal anterior esquerdo, governam a mediação entre os conceitos e os nomes de pessoas. Um paciente examinado recentemente, que apresentava lesões em todo o eixo occipitotemporal esquerdo do cérebro, era incapaz de encontrar os nomes de várias entidades, das cores e das pessoas, mas suas capacidades conceituais permaneciam intactas. O estudo desses pacientes confirmou enfim que o processamento da linguagem é perturbado por uma estimulação elétrica das áreas corticais, situadas fora das regiões geralmente atribuídas à linguagem.
SISTEMA
DE MEDIAÇÃO DOS VERBOS
Se,
para os nomes, os sistemas de mediação
parecem localizados, onde se encontram os sistemas que
processam verbos? Como os pacientes com lesões
no córtex temporal anterior e mediano conservam
a capacidade de encontrar verbos, pronomes e conjunções,
os sistemas que processam estas classes de palavras
não estão na região temporal esquerda.
Algumas observações clínicas indicam
que esses sistemas se encontram nas regiões frontal
e parietal: os pacientes afásicos, que sofrem
de lesões frontais no hemisfério esquerdo,
têm mais dificuldade para expressar os verbos
que os nomes. Essa localização foi indiretamente
confirmada por estudos de tomografia de emissão
pósitrons. Steven Petersen, Michael Posner e
Marcus Raichle, da Universidade de Washington, pediram
a voluntários para pronunciar os verbos correspondentes
à imagem de um objeto,- por exemplo, a imagem
de uma maçã devia suscitar a expressão
do verbo "comer". A tomografia revelou a ativação
de uma região do córtex frontal dorsolateral
inferior que corresponde aproximadamente às regiões
que havíamos localizado anteriormente. Uma lesão
dessas regiões perturba não só
a expressão dos verbos, pronomes e das conjunções,
mas também a sintaxe.
Durante
os últimos 20 anos, progrediu rapidamente o nosso
conhecimento das estruturas cerebrais que governam a
linguagem. Graças a técnicas como o imageamento
por ressonância magnética, localizamos
precisamente as lesões cerebrais de pacientes
que sofrem de afasia e as correlacionamos aos problemas
de linguagem correspondentes. Atualmente, podemos estudar
a atividade cerebral de pessoas normais realizando diferentes
processos lingüísticos.
Os
mecanismos lingüísticos são tão
complexos que algumas pessoas duvidam que a maquinaria
neuronal que os governa seja inteiramente elucidada.
O registro dos conceitos pelo cérebro ainda é
um mistério. Conhecemos mal os sistemas de mediação
para outros elementos da linguagem além de nomes,
verbos, pronomes e conjunções. E mal compreendemos
as estruturas que asseguram a formação
das palavras e das frases, estudadas desde meados do
século XIX.
Mas
os consideráveis progressos dos últimos
anos sugerem que a cartografia destas estruturas e a
análise de seu funcionamento não são
inacessíveis. Quando o objetivo será alcançado?
Eis a questão.
Para conhecer mais
O
Erro de Descartes. A. Damásio, Companhia das
Letras, 1996.
Lesion
Analysis. H. Damásio e A.R. Damásio, em
Neuropsy-chology, Oxford University Press, 1989.
Aphasia.
A.R. Damásio, em NewEnglandJournalof Medicine,
vol. 326, na 8, pág. 531-539, 20 de fevereiro
de 1992.
Bases
Neurologiques des Comportements. M. Habib, Éditions
Masson, 1989.
Linguagem e Mente. N. Chomsky, Editora UnB, 1998. |
quarta-feira, 2 de janeiro de 2013
O cérebro e a linguagem ( PERFEITO)
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