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domingo, 25 de setembro de 2011

Fobias

O medo é um estado emocional universal, uma sensação que todos conhecem. Quem nunca sentiu algum desconforto na presença de uma cobra ou aranha, ou um frio na barriga quando o avião levanta vôo? Alguns medos são muito comuns na população e estão relacionados à nossa história (dos seres humanos) como mamíferos, ou seja, fazem parte de nossa evolução. Sua função é nos proteger da destruição, desde os tempos imemoriais. Alguns exemplos são o medo de trovões e tempestades, do escuro, de insetos, de animais, de pessoas estranhas e de doenças. O homem, como todos os animais sociais, protege seu nicho com a mesma energia com que zela por sua integridade física.
Como em outras situações biológicas, mesmo algo natural e que nos protege, neste caso o medo, em excesso causa sofrimento e nos prejudica, tornando-se uma fobia ou, como chamam os médicos, um transtorno fóbico-ansioso. Fobias são medos persistentes, excessivos e incontroláveis, direcionados a um objeto ou uma situação.
Características
Para que o medo seja considerado uma fobia, três características são necessárias. Em primeiro lugar, o contato com o objeto temido, ou mesmo a mera antecipação da possibilidade de contato, deve desencadear reações intensas de ansiedade. O coração dispara, e a pessoa , treme e respira de maneira acelerada. Costuma-se também sentir falta de ar, enjôo, ondas de frio ou calor, formigamentos nas mãos ou pés e dor ou aperto no peito. Ao mesmo tempo, o indivíduo pode ter um impulso de sair o mais rápido possível da situação ou sentir-se “congelado”, sem reação, ou ainda começar a chorar e a gritar.
O segundo aspecto típico da fobia é que a situação temida passa a ser evitada a todo custo ou o contato com o estímulo fóbico é suportado com sofrimento intenso. A pessoa evita qualquer situação em que haja a possibilidade de contato com o objeto temido, o que pode significar grandes limitações na sua vida.
A terceira característica – e esta é a diferença fundamental em relação aos “medos normais” – é que, nas fobias, o temor interfere significativamente na rotina, no trabalho e nos relacionamentos pessoais, causando sofrimento ou prejuízo funcional. Assim, diferentemente dos outros receios, elas são incapacitantes e não-adaptativas, ou seja, o indivíduo não consegue se adequar à situação.
As fobias classificam-se em agorafobia, fobia social e fobias específicas. A agorafobia é o medo de freqüentar locais públicos ou lugares em que a saída possa ser difícil ou constrangedora. Pacientes com esse tipo de fobia costumam se sentir mal se ficarem sozinhos em lojas cheias, túneis, pontes, elevadores, ônibus, metrô etc.
Agorafobia e fobia social
Na maioria das vezes, a agorafobia está associada ao transtorno de pânico. Nesse caso, a crise é geralmente causada pelo medo de sofrer ataques de pânico nessas situações, em que a fuga ou o socorro são dificultados.. Crises de pânico são episódios de medo intenso, acompanhados de sintomas físicos como coração acelerado, falta de ar, tremedeira e formigamentos.
Na fobia social, o indivíduo tem um medo excessivo de ser avaliado ou de ser o foco da atenção dos outros. A pessoa receia ser julgada negativamente ou que os outros pensem que ela é incompetente ou estranha. Entre as situações comumente temidas estão falar ou comer em público e escrever sob a observação de outros. Alguns pacientes receiam todo tipo de interação social.
É importante, entretanto, diferenciar a fobia social da timidez. No segundo caso, existe a ansiedade normal, que muitas vezes até contribui para um bom desempenho em situações sociais. Já na fobia social, essa ansiedade é excessiva e persistente. Eventos sociais são evitados ou suportados apenas com sofrimento intenso, com conseqüente prejuízo do desempenho funcional e no relacionamento com os outros. Muitas vezes, o medo e a ansiedade já começam dias antes do acontecimento, com a mera expectativa de entrar em contato com a situação temida.
Fobias específicas
As fobias específicas são o transtorno psiquiátrico mais comum na população, especialmente em crianças. Trata-se de um medo de determinado objeto ou situação específica. As mais comuns estão relacionadas a animais, tempestades, altura e doenças, mas elas também podem estar direcionadas a eventos como andar de avião ou em elevadores, ver sangue ou ferimentos, engasgar e vomitar, entre outras. Vale ressaltar que não é o tipo de medo que determina uma fobia, mas se ele chega ao ponto de interferir com a vida da pessoa ou causar sofrimento intenso.
Tratamento
Pouco mais de uma em cada dez pessoas desenvolve uma fobia em algum momento da vida, mas poucas procuram cuidados médicos. Reconhecer o problema é o primeiro passo para a melhora. As fobias precisam ser encaradas como qualquer outra doença, não há motivo para se ter vergonha. É muito comum que o indivíduo considere seu medo como excessivo ou irracional, e esta percepção muitas vezes retarda a busca por auxílio. Porém, essa demora só prolonga o sofrimento. Uma vez que a fobia esteja realmente estabelecida, dificilmente será controlada sem um tratamento adequado. Outra conseqüência negativa é que o paciente se desgasta tentando esconder seu problema, em vez de se esforçar para enfrentá-lo.
O tratamento da agorafobia e da fobia social freqüentemente exige o uso de medicações. As mais usadas são determinados tipos de antidepressivos. Entretanto, é importante que o paciente mude seu estilo de vida, o que significa adotar uma nova postura frente à doença. É necessário que ele deixe de evitar o objeto temido, passando progressivamente a enfrentá-lo.
A principal técnica que a psicoterapia cognitivo-comportamental propõe para o tratamento das fobias é uma forma organizada e progressiva de confronto com os medos, chamada de terapia de exposição. Nela, o paciente defronta-se com as situações temidas, começando por aquelas que geram menos medo e progredindo para as mais difíceis. Pode-se utilizar técnicas de relaxamento para ajudar a controlar a ansiedade, além de mudanças nos padrões de pensamento.
O fundamental é compreender que as fobias são problemas de saúde como quaisquer outros, para os quais existem tratamentos eficazes, capazes de fazer com que o paciente volte a ter uma vida sem limitações.
Márcio Bernik é psiquiatra, doutor em Medicina pela FMUSP, coordenador do Ambulatório de Ansiedade da instituição (Ambam) e professor assistente do Departamento de Psiquiatria da FMUSP; Fábio Corregiari é psiquiatra e doutorando do Departamento de Psiquiatria da FMUSP.


Para saber mais: http://www.amban.org.br

Violência e doença mental

Em estudos histórico-antropológicos, J. Monahan (1992), Universidade da Virgínia, conclui que ‘a crença de que as doenças mentais estão associadas à violência é historicamente constante e culturalmente universal’. Esta percepção pública tem conseqüências na prática social (estigma) contra indivíduos portadores de doenças mentais. A estigmatização do doente mental é o maior obstáculo para sua reintegração social. Portanto, antes de aceitá-la devemos analisar criticamente, primeiro, se a associação existe de fato, e segundo, qual é a magnitude de seu efeito nos crimes de violência em geral.
Antes quero definir os termos. A expressão doença mental, como tem sido usada na mídia, inclui todo e qualquer desvio do comportamento, desde abuso de álcool e drogas até quadros psicóticos. Em senso estrito (e correto), devemos falar de doença mental quando nos referimos a quadros definidos de alterações psíquicas qualitativas, como por exemplo a esquizofrenia, as doenças afetivas (antes chamadas de psicose maníaco-depressiva) e outras psicoses. Por outro lado, existem alterações quantitativas, como a deficiência mental e os transtornos de personalidade, que representam ‘desvios extremos do modo como o indivíduo médio, em uma dada cultura, percebe, pensa, sente e, particularmente, se relaciona com os outros’. Portanto, não são doenças, mas extremos de um contínuo. Neste sentido usarei estes termos.
Em um estudo epidemiológico na Alemanha, H. Haefner e W. Boeker (1982) encontraram que não havia um excesso de doentes mentais dentre os criminosos violentos da década 1955-1964, quando comparados com a população geral. Encontraram também que a idade média do doente mental criminoso por ocasião do crime era 10 anos maior do que a do criminoso da população geral, sugerindo que a doença mental, ao contrário, retarda a expressão do ato de violência.
Seguiram-se inúmeros estudos sobre a associação doença mental-violência, incluindo a ampla investigação coordenada pelo ‘National Institute of Mental Health’ nos EUA (Epidemiological Catchment Area= ECA, Swanson et al. 1997). Estes estudos não encontraram uma associação, ou apenas uma associação discreta entre doença mental e o risco de cometer crimes de violência. Entretanto, todos eles apontam para dois outros fatores invariavelmente associados à violência: o abuso de substancias tóxicas (álcool e drogas), e a presença do transtorno de personalidade anti-social. Os efeitos de álcool e drogas não surpreendem, visto que ambos enfraquecem o auto-controle e liberam o ato de violência. As características do transtorno de personalidade anti-social já são, em si, predisponentes para atos contra a sociedade: indiferença pelos sentimentos alheios; desrespeito por normas sociais; incapacidade de manter relacionamentos embora não haja dificuldades em estabelecê-los; baixo limiar para descarga de agressão e violência; incapacidade de experimentar culpa e aprender com a experiência, particularmente punição; e propensão marcante para culpar os outros ou para oferecer racionalizações plausíveis para o comportamento que levou ao conflito com a sociedade (Classificação Internacional de Transtornos Mentais CID-10).
O grupo de pesquisa liderado por H. Steadman (1998), New York, não encontrou diferença na prevalência da violência em doentes mentais sem abuso de substâncias, comparados com a população geral. O risco de violência em indivíduos da população geral com abuso de álcool ou drogas foi duas vezes maior do que em pacientes esquizofrênicos sem abuso. Este risco é potencializado quando álcool ou drogas coexistem em indivíduo portador de transtorno mental, segundo J. W. Swanson e colaboradores (1997), coordenadores do ECA-Project. O maior risco para expressão de violência ocorre na combinação de abuso de álcool/drogas com transtorno de personalidade anti-social.
Estes achados sugerem que a doença mental em senso estrito contribui muito pouco para a ocorrência de crimes de violência. A magnitude desta contribuição pode ser avaliada pelo estudo de maior impacto sobre doença mental e crime, realizado na Dinamarca e publicado em 1996 por S. Hodgins e colaboradores (1996). Os autores identificaram todos os indivíduos nascidos entre 1944 e 1947 (360.000 indivíduos). Quando estes indivíduos tinham 43 anos de idade, identificou-se através dos registros centrais quais tinham um registro de internações em hospitais psiquiátricos, e quais tinham sido condenados por infrações do código penal. Comparou-se então a freqüência e o tipo de crimes cometidos entre os indivíduos com e sem internação psiquiátrica, assim como entre os diferentes diagnósticos psiquiátricos. Encontrou-se uma maior freqüência de crimes de violência em pacientes que haviam sido hospitalizados do que em indivíduos sem internações psiquiátricas. O resultado para homens, no período de 1978-1990, estão na tabela abaixo:
Diagnóstico Crimes de Violência (%)
Sem internação psiquiátrica
1,5
Doença mental *
6,7
Retardo mental
11,4
Personalidade anti-social
10,8
Abuso de álcool
10,0
Abuso de drogas
13,0
* apenas os diagnósticos de esquizofrenia, psicose maníaco-depressiva, e outras psicoses
Fonte: S. Hodgins e colaboradores, Archives of General Psychiatry 53, p. 494, 1996
Assim, na Dinamarca, indivíduos que foram internados em hospitais psiquiátricos por doença mental tem um risco 4,5 vezes maior de praticar um crime de violência que indivíduos sem internação. Os riscos para outros transtornos aumentam até 8,5 vezes em pessoas com abuso de drogas. Fica claro que álcool e drogas, também em nosso meio um problema de saúde pública, contribuem mais para a violência que as doenças mentais.
Entretanto, estes dados são superestimados: Na Dinamarca existe uma assistência psiquiátrica exemplar. Todo o cidadão tem acesso gratuito a medicamentos e a tratamento psiquiátrico em uma rede de serviços complementares abertos, como ambulatórios, centros de reabilitação, oficinas abrigadas e apartamentos comunitários. Isto possibilita que a maior parte dos pacientes passe a maior parte de suas vidas fora do hospital. A internação fica reservada apenas para os casos mais graves, difíceis de serem tratados nos serviços complementares. J. Monahan e H.J. Steadman (1983) mostraram que pacientes com um comportamento agressivo terão uma chance maior de serem hospitalizados do que pacientes não agressivos com sintomas semelhantes.
Portanto, o critério de seleção para o estudo na Dinamarca, baseado em registros de internação hospitalar, já selecionou, a priori, uma amostra de pacientes mais agressivos do que a média dos doentes mentais, resultando em uma estatística inflacionada do número de crimes de violência. Mesmo com estas reservas metodológicas, os resultados deste estudo falam contra o estereótipo existente, pois mostram que a grande maioria de doentes mentais na Dinamarca (no mínimo 93 porcento, seguramente mais) não é violenta.
Estes dados não podem ser imediatamente importados para o Brasil. É plausível supor que os índices de crimes de violência em cidades como São Paulo ou Rio de Janeiro são maiores que na Dinamarca. Como se trata aqui de criminalidade intencional, portanto consciente, é possível que ela esteja aumentada apenas na população sem doença mental, diminuindo portanto o excesso relativo em doentes. Mas isto é uma hipótese que necessita de verificação experimental.
O fato é que a associação entre doença mental e violência, ao menos na intensidade em que tem sido noticiada, não tem base real. O indivíduo psicótico pode se tornar agressivo se estiver alcoolizado. Aliás, o não-psicótico também.
Wagner F. Gattaz é Professor Titular do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Diretor do Laboratório de Neurociências (LIM-27)
Referências
  1. Häfner, H. & Böker, W. - Crimes of Violence by Mentally Abnormal Offenders. Cambridge University Press, Cambridge, 1982
  2. Hodgins, S., Mednick, S.A., Brennan, P.A., Schulsinger, F. & Engberg, M. - Mental disorder and crime. Evidence from a Danish birth cohort. Arch Gen Psychiatry 53: 489-496, 1996
  3. Monahan, J. - ‘A terror to their neighbors’: beliefs about mental disorder and violence in historical and cultural perspective. Bull Am Acad Psychiatry Law 20: 191-195, 1992
  4. Monahan, J. & Steadman, H.J. - Crime and mental disorder: an epidemiological approach. In: Tonry, M. & Morrias, N. (eds.) Crime and Justice: Na annual review of Research. The University of Chicago Press, Chicago, pp. 145-189, 1983
  5. Swanson, J., Estroff, S., Swartz, M., Borum, R., Lachicotte, W., Zimmer, C. & Wagner, R. - Violence and severe mental disorder in clinical and community populations: the effects of psychotic symptoms, comorbidity, and lack of treatment. Psychiatry 60: 1-22, 1997

Epilepsia

A epilepsia é um distúrbio que afeta o cérebro e se expressa por crises repetidas, caracterizadas por manifestações motoras, sensitivas, sensoriais, psíquicas ou neurovegetativas. Não se trata de uma doença específica ou uma síndrome única, mas de um conjunto de condições neurológicas que levam a descargas elétricas excessivas e anormais no cérebro. Essas descargas desencadeiam as crises epilépticas, que podem se manifestar de várias maneiras.
Crises
As crises são classificadas como parciais simples, parciais complexas e generalizadas. As parciais simples não provocam alteração da consciência. Manifestam-se como eventos visuais, motores, autonômicos ou sensoriais e podem se confundir com outros fenômenos transitórios. Em alguns casos, evoluem para a forma parcial complexa.
As crises parciais complexas caracterizam-se por uma mudança de consciência, definida como incapacidade de responder normalmente a estímulos externos. Podem ocorrer em graus variáveis e associar-se a diversos eventos, como quedas abruptas e movimentos inconscientes e involuntários (automatismos). Ocasionalmente, são precedidas
Quando a aura , que é a crise parcial simples, precede a parcial complexa, serve como um aviso ao paciente As parciais complexas, por sua vez, também podem para as secundariamente generalizadas.
Nas crises generalizadas, as descargas neuronais são bilaterais. Envolvem, simultaneamente, amplas áreas de ambos os hemisférios cerebrais. A consciência é quase sempre comprometida, e as manifestações motoras afetam os dois lados do corpo. As crises podem ser convulsivas (com fenômenos motores) ou não. No primeiro caso, são classificadas como tônicas, quando o corpo fica rígido; clônicas, quando há contrações ritmadas seguidas de relaxamento em rápida sucessão; tônico-clônicas, se os dois sintomas estiverem presentes; e mioclônicas, caso haja contrações não ritmadas e erráticas de apenas em um ou alguns grupos de músculos definidos. Caso não haja fenômenos motores, como os anteriormente descritos, as crises são denominadas atônicas (perda do tônus muscular, sem rigidez do corpo) ou de ausência (perda do contato com o meio).
Há outros tipos de crise, menos comuns, que podem provocar quedas sem nenhum movimento ou contração, percepções visuais ou auditivas estranhas ou alterações transitórias da memória. Quando há perda de contato com o meio, o paciente geralmente não se recorda do que aconteceu durante a crise.
Causas
Entre as possíveis causas da epilepsia estão lesões cerebrais decorrentes de traumatismos na cabeça, tumores e distúrbios cerebrais degenerativos, infecções (meningite, por exemplo), abuso de bebidas alcoólicas ou de drogas e complicações durante o parto. A maior parte casos não tem uma origem clara, ou seja, não são determinados por uma lesão, mas sim por fatores genéticos.
A epilepsia é muito freqüente. A taxa de prevalência (número de ocorrências numa população) é bem maior que a incidência (casos novos numa população), já que a doença é crônica e tem baixo índice de mortalidade. A incidência anual varia de 30 a 50 novos casos em cada 100 mil indivíduos (0,03 a 0,05%). Já o índice de prevalência da epilepsia ativa, que inclui apenas casos com crises nos últimos cinco anos, está estimado em cinco a nove em cada mil pessoas (0,5 a 0,9%).
Diagnóstico
O diagnóstico é complexo. Estudos mostram que em mais de 50% dos casos, o tempo médio para identificação do problema é superior a seis meses. A investigação é feita com base no histórico clínico, mas a forma mais adequada de se definir uma crise é observar o episódio, seja pessoalmente ou por meio de registro em vídeo. Quando esses métodos não forem viáveis, recomenda-se interrogar uma testemunha ocular.
A compreensão e o tratamento da epilepsia foram revolucionados pela sofisticação de técnicas de neuroimagem, como a ressonância magnética, a espectroscopia, a tomografia computadorizada com emissão de fótons única (SPECT) e a tomografia com emissão de pósitron (PET). Esses exames têm como objetivo detectar anomalias visíveis e anormalidades no funcionamento cerebral, como alterações no metabolismo ou nas taxas de neurotransmissores. Além disso, há o eletroencefalograma (EEG), que continua a desempenhar um papel relevante no diagnóstico e por vezes, na orientação do tratamento da epilepsia.
Tratamento
Medicamentos antiepilépticos são capazes de abolir ou reduzir a freqüência das crises em 70% dos casos. No entanto, não modificam as conseqüências do dano neurológico coexistente e das dificuldades psicossociais. A escolha da medicação deve ser feita com base nas características individuais do paciente e sua aderência e tolerância ao tratamento.
Inicialmente, a intervenção cirúrgica era considerada apenas em casos de epilepsia incontrolável, mesmo com uso de fármacos, e de longa duração. Atualmente, considera-se o procedimento mais apropriado para jovens que têm a doença há pouco tempo, antes que as seqüelas psicossociais tenham se acumulado. É importante identificar a origem das crises e avaliar se a remoção cirúrgica do foco no cérebro não trará efeitos deletérios para o paciente.
Num estudo americano da década de 90, a cirurgia foi capaz de erradicar as crises em 59% dos casos; em 38%, elas diminuíram de freqüência; em apenas em 2% dos pacientes, a intervenção não trouxe benefícios. Todavia, outros relatos indicam que o percentual de pessoas com epilepsia não beneficiados pode ser de até 20%. É importante salientar que há uma enorme variação quanto aos resultados cirúrgicos, relacionada ao tipo de lesão do paciente, ou seja, a causa da epilepsia.

Kette Valente é neurofisiologista e neuropediatra, doutora em Neurologia pela FMUSP e supervisora do Laboratório de Neurofisiologia Clínica do Instituto de Psiquiatria da FMUSP

Tranqüilizantes


Tranqüilizantes são uma denominação popular para um grupo de substâncias que atuam, “predominantemente, sobre a ansiedade e a tensão nervosa”. Na prática o termo se refere a medicamentos usados para diminuir a ansiedade, os ansiolíticos, ou para dormir, os hipnóticos.

O uso de ansiolíticos e hipnóticos é tão antigo quanto a medicina. Em escritos de todas as antigas culturas encontram-se relatos sobre o uso de substâncias capazes de produzir um certo grau de sedação, estado em que transcorriam rituais religiosos, mágicos ou mesmo alguns procedimentos “médicos”. Destas substâncias e ervas, o álcool sempre o mais comum. Até hoje é o fármaco mais usado nestas situações “sociais”.
A história recente dos ansiolíticos e hipnóticos começou com a síntese do ácido barbitúrico por. A.VON BAYER em 1862. No início do século XX os derivados barbitúricos começaram a ser usados como ansiolíticos e hipnóticos. Mais de 2500 derivados do ácido barbitúrico foram sintetizados, dos quais cerca de 50 introduzidos comercialmente. Até a década de sessenta do século passado, foram extensivamente prescritos. Um exemplo de um medicamento barbitúrico ainda muito usado como anticonvulsivante é o fenobarbital (Gardenal).
Na década de 1950, embora os barbitúricos fossem ainda amplamente utilizados, era reconhecida a sua capacidade de induzir tolerância e de causar dependência com o aparecimento de uma síndrome de abstinência tão intensa quanto à do álcool. Outra preocupação ainda maior era o grande risco de morte por envenenamento (como de fato ocorreu com diversas pessoas famosas como a atriz Marilyn Monroe).
Em 1955 o laboratório Roche sintetizou uma série de compostos que, baseando-se em sua presumida estrutura química, foram julgados inativos e, posteriormente, abandonados. Um destes compostos, o Ro 5-0690 (clordiazepóxido, Librium) foi inadvertidamente enviado para análise quando o laboratório passava por uma limpeza de rotina e suas propriedades farmacológicas sedativas e ansiolíticas foram descritas.
Depois do desenvolvimento dos benzodiazepínicos, como por exemplo, o clordiazepóxido, o diazepam (Valium), o clonazepam (Rivotril) e o lorazepam (Lorax), o uso dos barbitúricos foi esquecido.
Acredita-se que a grande popularidade que os benzodiazepínicos alcançaram entre os membros da classe médica e na população leiga deva-se à sua eficácia como ansiolíticos e hipnóticos, aliada à margem de segurança por eles oferecida. No início dos anos 60 publicaram-se vários relatos de sujeitos, mesmo crianças que sobreviveram à ingestão de doses maciças destes remédios.
Os ansiolíticos benzodiazepínicos atuam aumentando a atividade de um sistema inibidor muito importante para o funcionamento de nosso cérebro, o sistema GABA-érgico. Este nome deriva do neurotransmissor diretamente envolvido, o GABA (abreviação de “gamma-amino-butyryc acid” ou ácido gama-amino-butírico).
A partir da década de oitenta estudaram-se outros ansiolíticos não benzodiazepínicos, como a buspirona (Buspar).
Os benzodiazepínicos, se interrompidos abruptamente, podem causar uma síndrome de abstinência com ansiedade, insônia e, em casos mais graves, de pessoas que usavam doses muito altas por longo tempo, até convulsões. Isto caracteriza uma dependência fisiológica ou “física” ao benzodiazepínico. Entretanto mesmo nestas situações, são raras situações de abuso e este problema não pode ser confundido com uma “síndrome de dependência química”. Mais uma vez, basta interromper o uso lentamente, sob orientação médica.
Márcio Bernik é médico psiquiatra formado pela FMUSP, doutor em Psiquiatria pela FMUSP e Professor Colaborador Médico do Departamento de Psiquiatria da FMUSP. Atualmente coordena o Ambulatório de Ansiedade do IPq FMUSP.

Distúrbios e transtornos





Simaia Sampaio 


A matemática para algumas crianças ainda é um bicho de sete cabeças. Muitos não compreendem os problemas que a professora passa no quadro e ficam muito tempo tentando entender se é para somar, diminuir ou multiplicar; não sabem nem o que o problema está pedindo. Alguns, em particular, não entendem os sinais, muito menos as expressões. Contas? Só nos dedos e olhe lá.
Em muitos casos o problema não está na criança, mas no professor que elabora problemas com enunciados inadequados para a idade cognitiva da criança.
Carraher afirma que:

“Vários estudos sobre o desenvolvimento da criança mostram que termos quantitativos como “mais”, “menos”, maior”, “menor” etc. são adquiridos gradativamente e, de início, são utilizados apenas no sentido absoluto de “o que tem mais”, “o que é maior” e não no sentido relativo de “ ter mais que” ou “ser maior que”. A compreensão dessas expressões como indicando uma relação ou uma comparação entre duas coisas parece depender da aquisição da capacidade de usar da lógica que é adquirida no estágio das operações concretas”...”O problema passa então a ser algo sem sentido e a solução, ao invés de ser procurada através do uso da lógica, torna-se uma questão de adivinhação” (2002, p. 72).



No entanto, em outros casos a dificuldade pode ser realmente da criança e trata-se de um distúrbio e não de preguiça como pensam muitos pais e professores desinformados.
Em geral, a dificuldade em aprender matemática pode ter várias causas.
De acordo com Johnson e Myklebust, terapeutas de crianças com desordens e fracassos em aritmética, existem alguns distúrbios que poderiam interferir nesta aprendizagem:

·         Distúrbios de memória auditiva:
- A criança não consegue ouvir os enunciados que lhes são passados oralmente, sendo assim, não conseguem guardar os fatos, isto lhe incapacitaria para resolver os problemas matemáticos.
- Problemas de reorganização auditiva: a criança reconhece o número quando ouve, mas tem dificuldade de lembrar do número com rapidez.

·         Distúrbios de leitura:
- Os dislexos e outras crianças com distúrbios de leitura apresentam dificuldade em ler o enunciado do problema, mas podem fazer cálculos quando o problema é lido em voz alta. É bom lembrar que os dislexos podem ser excelentes matemáticos, tendo habilidade de visualização em três dimensões, que as ajudam a assimilar conceitos, podendo resolver cálculos mentalmente mesmo sem decompor o cálculo. Podem apresentar dificuldade na leitura do problema, mas não na interpretação.
- Distúrbios de percepção visual: a criança pode trocar 6 por 9, ou 3 por 8 ou 2 por 5 por exemplo. Por não conseguirem se lembrar da aparência elas têm dificuldade em realizar cálculos.

·         Distúrbios de escrita:
- Crianças com disgrafia têm dificuldade de escrever letras e números.

Estes problemas dificultam a aprendizagem da matemática, mas a discalculia impede a criança de compreender os processos matemáticos.
A discalculia é um dos transtornos de aprendizagem que causa a dificuldade na matemática. Este transtorno não é causado por deficiência mental, nem por déficits visuais ou auditivos, nem por má escolarização, por isso é importante não confundir a discalculia com os fatores citados acima.
O portador de discalculia comete erros diversos na solução de problemas verbais, nas habilidades de contagem, nas habilidades computacionais, na compreensão dos números.
Kocs (apud García, 1998) classificou a discalculia em seis subtipos, podendo ocorrer em combinações diferentes e com outros transtornos:
1.    Discalculia Verbal - dificuldade para nomear as quantidades matemáticas, os números, os termos, os símbolos e as relações.
2.    Discalculia Practognóstica - dificuldade para enumerar, comparar e manipular objetos reais ou em imagens matematicamente.
3.    Discalculia Léxica - Dificuldades na leitura de símbolos matemáticos.
4.    Discalculia Gráfica - Dificuldades na escrita de símbolos matemáticos.
5.    Discalculia Ideognóstica – Dificuldades em fazer operações mentais e na compreensão de conceitos matemáticos.
6.    Discalculia Operacional - Dificuldades na execução de operações e cálculos numéricos.

Na área da neuropsicologia as áreas afetadas são:

·         Áreas terciárias do hemisfério esquerdo que dificulta a leitura e compreensão dos problemas verbais, compreensão de conceitos matemáticos;
·         Lobos frontais dificultando a realização de cálculos mentais rápidos, habilidade de solução de problemas e conceitualização abstrata.
·         Áreas secundárias occípito-parietais esquerdos dificultando a discriminação visual de símbolos matemáticos escritos.
·         Lobo temporal esquerdo dificultando memória de séries, realizações matemáticas básicas.

De acordo com Johnson e Myklebust a criança com discalculia é incapaz de:

·         Visualizar conjuntos de objetos dentro de um conjunto maior;
·         Conservar a quantidade: não compreendem que 1 quilo é igual a quatro pacotes de 250 gramas.
·         Seqüenciar números: o que vem antes do 11 e depois do 15 – antecessor e sucessor.
·         Classificar números.
·         Compreender os sinais +, - , ÷, ×.
·         Montar operações.
·         Entender os princípios de medida.
·         Lembrar as seqüências dos passos para realizar as operações matemáticas.
·         Estabelecer correspondência um a um: não relaciona o número de alunos de uma sala à quantidade de carteiras.
·         Contar através dos cardinais e ordinais.

Os processos cognitivos envolvidos na discalculia são:

1. Dificuldade na memória de trabalho;
2. Dificuldade de memória em tarefas não-verbais;
3. Dificuldade na soletração de não-palavras (tarefas de escrita);
4. Não há problemas fonológicos;
5. Dificuldade na memória de trabalho que implica contagem;
6. Dificuldade nas habilidades visuo-espaciais;
7. Dificuldade nas habilidades psicomotoras e perceptivo-táteis.

De acordo com o DSM-IV, o Transtorno da Matemática caracteriza-se da seguinte forma:
·         A capacidade matemática para a realização de operações aritméticas, cálculo e raciocínio matemático, encontra-se substancialmente inferior à média esperada para a idade cronológica, capacidade intelectual e nível de escolaridade do indivíduo.
·         As dificuldades da capacidade matemática apresentadas pelo indivíduo trazem prejuízos significativos em tarefas da vida diária que exigem tal habilidade.
·         Em caso de presença de algum déficit sensorial, as dificuldades matemáticas excedem aquelas geralmente a este associadas.
·         Diversas habilidades podem estar prejudicadas nesse Transtorno, como as habilidades lingüisticas (compreensão e nomeação de termos, operações ou conceitos matemáticos, e transposição de problemas escritos em símbolos matemáticos), perceptuais (reconhecimento de símbolos numéricos ou aritméticos, ou agrupamento de objetos em conjuntos), de atenção (copiar números ou cifras, observar sinais de operação), e matemáticas (dar seqüência a etapas matemáticas, contar objetos e aprender tabuadas de multiplicação).

Quais os comprometimentos?

·         Organização espacial;
·         Auto-estima;
·         Orientação temporal;
·         Memória;
·         Habilidades sociais;
·         Habilidades grafomotoras;
·         Linguagem/leitura;
·         Impulsividade;
·         Inconsistência (memorização).

Ajuda do professor:

O aluno deve ter um atendimento individualizado por parte do professor que deve evitar:

·         Ressaltar as dificuldades do aluno, diferenciando-o dos demais;
·         Mostrar impaciência com a dificuldade expressada pela criança ou interrompê-la várias vezes ou mesmo tentar adivinhar o que ela quer dizer completando sua fala;
·         Corrigir o aluno freqüentemente diante da turma, para não o expor;
·         Ignorar a criança em sua dificuldade.

Dicas para o professor:
·         Não force o aluno a fazer as lições quando estiver nervoso por não ter conseguido;
·         Explique a ele suas dificuldades e diga que está ali para ajudá-lo sempre que precisar;
·         Proponha jogos na sala;
·         Não corrija as lições com canetas vermelhas ou lápis;
·         Procure usar situações concretas, nos problemas.


Ajuda do profissional:

Um psicopedagogo pode ajudar a elevar sua auto-estima valorizando suas atividades, descobrindo qual o seu processo de aprendizagem através de instrumentos que ajudarão em seu entendimento. Os jogos irão ajudar na seriação, classificação, habilidades psicomotoras, habilidades espaciais, contagem.
Recomenda-se pelo menos três sessões semanais.
O uso do computador é bastante útil, por se tratar de um objeto de interesse da criança.
O neurologista irá confirmar, através de exames apropriados, a dificuldade específica e encaminhar para tratamento. Um neuropsicologista também é importante para detectar as áreas do cérebro afetadas. O psicopedagogo, se procurado antes, pode solicitar os exames e avaliação neurológica ou neuropsicológica.

O que ocorre com crianças que não são tratadas precocemente?

·         Comprometimento do desenvolvimento escolar de forma global
·         O aluno fica inseguro e com medo de novas situações
·         Baixa auto-estima devido a críticas e punições de pais e colegas
·         Ao crescer o adolescente / adulto com discalculia apresenta dificuldade em utilizar a matemática no seu cotidiano.


Qual a diferença? Acalculia e Discalculia.
A discalculia já foi relatada acima.
A acalculia ocorre quando o indivíduo, após sofrer lesão cerebral, como um acidente vascular cerebral ou um traumatismo crânio-encefálico, perde as habilidades matemáticas já adquiridas. A perda ocorre em níveis variados para realização de cálculos matemáticos.

Cuidado!
As crianças, devido a uma série de fatores, tendem a não gostar da matemática, achar chata, difícil. Verifique se não é uma inadaptação ao ensino da escola, ou ao professor que pode estar causando este mal estar. Se sua criança é saudável e está se desenvolvendo normalmente em outras disciplinas não se desespere, mas é importante procurar um psicopedagogo para uma avaliação.
Muitas confundem inclusive maior-menor, mais-menos, igual-diferente, acarretando erros que poderão ser melhorados com a ajuda de um professor mais atento.

Bibliografia:

CARRAHER, Terezinha Nunes (Org.). Aprender Pensando. Petrópolis, Vozes, 2002.
GARCÍA, J. N. Manual de Dificuldades de Aprendizagem. Porto Alegre, ArtMed, 1998.
JOSÉ, Elisabete da Assunção, Coelho, Maria Teresa. Problemas de aprendizagem. São Paulo, Ática, 2002.
RISÉRIO, Taya Soledad. Definição dos transtornos de aprendizagem. Programa de (re) habilitação cognitiva e novas tecnologias da inteligência. 2003.