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domingo, 14 de outubro de 2012

Somos aquilo que recordamos e também... o que esquecemos


CNPQ   
 Somos aquilo que recordamos e também... o que esquecemos.


       O neurocientista Iván Izquierdo, ganhador do Prêmio Almirante Álvaro Alberto do CNPq, afirma que excesso de informações e ruídos da nossa sociedade vem afetando a saúde mental.

     Por quê precisamos inibir ou esquecer certas lembranças para poder viver bem? Nossa capacidade de armazenar memórias é saturável ou não? E por quê muitas vezes temos dificuldade de lembrar coisas consideradas importantes, mas memorizamos com certa facilidade piadas, banalidades e músicas que nem gostaríamos de lembrar? Decidido a desvendar estes e outros tantos mistérios da biologia da memória, o neurologista Iván Izquierdo, reconhecido como um dos maiores pesquisadores do mundo nesta área, vem desenvolvendo há mais de 45 anos, estudos científicos com o intuito de entender como funcionam os mecanismos deste complexo labirinto da memória.

     Sabe-se que a memória é uma intrigante faculdade mental que nos permite registrar, armazenar e manipular as informações obtidas através de experiências vividas. Geralmente esta nos remete ao "passado", pois tudo que faz parte da memória já ocorreu, porém a memória também compõe o nosso presente, pois é com esta capacidade que interagimos com o mundo e com os outros. Sem esta função nós não iríamos identificar nada, ou melhor, não teríamos sequer noção de identidade, já que para saber o que somos é preciso saber o que fomos.


Esquecer para viver

    Para o especialista Iván Antônio Izquierdo, coordenador do Centro de Pesquisas da Memória da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, a memória é tão imprescindível ao homem quanto o esquecimento de certos dados, fatos ou acontecimentos. Em seu livro "A Arte de Esquecer", o pesquisador pontua ser necessário "apagar" algumas lembranças para nosso bem estar.

    "De fato, é preciso esquecer, ou pelo menos manter longe da evocação certas lembranças que nos perturbam, como aquelas de medos, humilhações, desencantos amorosos e outros maus momentos. Já pensou se nos lembrássemos de todos os nossos fracassos? Passaríamos metade da vida nos remoendo. Para nossa paz de espírito, por meio de um mecanismo de autoproteção, o cérebro simplesmente inibe determinadas memórias, um fenômeno que os psicanalistas chamam de repressão. E isso ocorre o tempo todo, mesmo sem percebermos", afirma.

   O cérebro humano, apesar de ser fantástico processa e armazena informações de forma limitada. Para reter novos dados a mente precisa de intervalos de descanso e também deixar de lado memórias supérfluas. Seria incrível caso nos lembrássemos de cada palavra, som, gesto, imagem, cheiro ou cada sensação que passa ao longo das nossas vidas, porém nosso cérebro não consegue armazenar tantos dados assim.

    Para Izquierdo, a arte de esquecer é um dos fenômenos mais importantes da memória, já que possibilita a mente abrir novas janelas para abarcar mais informações. "Se nos lembrássemos de tudo, não teríamos como lembrar ou aprender coisas novas, já que existem memórias que nos impedem de adquirir outras novas ou lembrar de outras antigas, mais importantes, por isso é preciso que a mente elimine lembranças consideradas desnecessárias ou reprimir algumas delas", afirma.

     O pesquisador pontua ainda a importância dos intervalos de descanso da mente para recompor a capacidade de absorção do conhecimento. "Sabe-se que o ser humano apresenta oscilações em sua capacidade de atenção, cujas ondas duram aproximadamente noventa minutos. Logo após absorver um certo número de informações consecutivas, dependendo da densidade, precisamos de um descanso para metabolizar tais dados", ressalta.

Emoção e suas marcas

   Todo mundo se lembra do que estava fazendo quando morreu Ayrton Senna, mas porque será que ninguém se lembra do que fazia algumas horas antes do ocorrido? Provavelmente as pessoas se recordam do momento porque se emocionaram com o infeliz fato, mas não se lembram do que fizeram horas antes da morte, pois estas lembranças não tocaram seus sentimentos. O neurocientista explica que isto ocorre, pois a memória fixa muito melhor emoções do que fatos, já que as vias nervosas são extraordinariamente reguladas por emoções e sentimentos.

    "A emoção é acompanhada pela descarga de dopamina e de noradrenalina em certos lugares do cérebro, que se incorporam na memória. Então, toda a vez que, por algum motivo, essas substâncias forem liberadas e se mantiverem no cérebro, a tendência é lembrar de coisas que apreendemos sob a influência delas". Segundo ele, é por este motivo que memorizamos com maior facilidade assuntos que gostamos, recordações que mexem com as nossas emoções, ou mesmo besteiras que nos chocam. "Uma besteira apreendida sob emoção será melhor lembrada que uma genialidade apreendida com indiferença", declara Izquierdo.

Mundo esquizofrênico

  Por mais que a memória humana seja muito ampla e resistente, o especialista afirma que a nossa memória atualmente trabalha no limite, principalmente por causa do excesso de informações e ruídos da nossa sociedade. "Há 90 anos, o fundador da Neurociência moderna, Santiago Ramon y Cajal já se queixava que o excesso de estímulos e de informação tornava a vida difícil e em pouco tempo a tornariam impossível, pelas rádios a galena, os carros, os ônibus e seu barulho, etc. Noventa anos se passaram e hoje estamos vivendo no meio da balbúrdia generalizada, somos bombardeados por informações, vindas da televisão, dos aviões, computadores, ipod, ipad e outras coisas mil. Até agora não chegamos ao limite do que nossa memória de trabalho pode suportar, porém já percebemos que todo este ruído vem afetando e muito nossa saúde mental", diz.

    Em seu livro "Silêncio, por Favor", Izquierdo defende a necessidade de escapar muitas vezes deste ambiente cheio de ruídos para conseguir pensar e articular-se com profundidade. "O ruído não é só auditivo, é visual, linguístico e multisensorial. O ruído não nos deixa distinguir os sinais que realmente nos interessam e por isso nos incomoda. Afirmo que não são os estímulos em si que nos perturbam, pois os humanos estão ai para receber, analisar, filtrar e guardar informações, o problema é que estamos construindo um mundo no qual o principal hoje é o ruído e não os sinais".


   Para ele, as pessoas vêm absorvendo desenfreadamente tantos códigos, valores, ícones e imagens que acabam por não conseguir pensar com profundidade em quase nada, o que atrapalha paralelamente a memorização, a percepção e a sensibilidade. Nesse sentido, Izquierdo afirma que é preciso selecionar os sinais em meio a tantos ruídos, que só poluem nossa mente. "Temos que discriminar informação de ruído, separar o joio do trigo, tanto para evitarmos absorver coisas que não valem a pena ser evocadas, saturando o cérebro de mediocridades, como também obtermos mais qualidade de vida, já que teremos mais tempo para fazer o que realmente importa, como, por exemplo, amar, pensar, ser nós mesmos", finaliza.

    Autor de 11 obras e mais de 600 artigos científicos sobre a biologia da memória, Izquierdo foi agraciado este ano com a mais importante honraria em ciência e tecnologia do Brasil, o Prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia. Médico e pesquisador argentino, Izquierdo obteve nacionalidade brasileira em 1981, e fez grandes descobertas, como os principais mecanismos moleculares da formação, evocação, persistência e extinção das memórias, a dependência de estado endógena, a separação funcional entre as memórias de curta duração e longa duração.

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