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Na verdade, a célula nervosa ou neurônio é o elemento-chave
e consegue gravar os eventos da vida por meio de conexões,
chamadas sinapses, que ocorrem entre as células e têm longa
duração. Os neurônios são células muito diferentes das que existem em outros
órgãos, como a pele ou o fígado. Enquanto nossa epiderme é renovada
continuamente, as células do fígado se regeneram apenas quando sofrem algum
dano, já os neurônios são células permanentes e têm pouquíssima capacidade de
regeneração.
Nossas células cerebrais duram a vida toda.
Embora exista uma certa fragilidade do tecido nervoso em termos de
regeneração, é essa constância ao longo do tempo que permite também a
manutenção das memórias e conexões indispensáveis ao nosso computador orgânico
pessoal. Cada velha célula nervosa contém em si as marcas de todas as
emoções, aprendizados, acertos e erros cometidos por toda a vida. Por isso é
indispensável que não seja trocada a cada 120 dias, tal como as células
sanguíneas.
No cérebro são mais de 100 bilhões de neurônios conectados em uma rede
de proporções inimagináveis. Nos últimos sessenta e poucos anos,
passamos de um computador como o ENIAC que pesava várias toneladas para os
pequenos e poderosos desktops e workstations capazes de controlar o
trânsito de uma metrópolis como São Paulo (mais ou menos, se pensarmos
na hora do rush). Todavia, os computadores mais modernos ainda não chegam nem
perto da fantástica capacidade de processamento de dados do cérebro
humano mais simples. Aos poucos vamos aprendendo a entender melhor o
funcionamento dessa máquina cujo manual de usuário ainda estamos escrevendo.
A memória é uma das funções consideradas "distribuídas" no
sistema nervoso central. Espalha-se por vários centros cerebrais do mesmo
modo que acontece com a atenção, sobre a qual falamos em textos anteriores.
As neurociências descobriram que não existe um único lugar específico
responsável pela memória, ao invés disso detectaram vários componentes ou
tipos de memória que se articulam de modo integrado em rede.
Esse funcionamento cerebral assemelha-se ao que entendemos
atualmente como cloud computing, só que bem mais
elaborado. Meu falecido professor de neurofisiologia da USP, o ilustre
César Timo-Iaria nos ensinava que "o ser humano só inventa coisas possíveis"
que já existem na natureza. Assim, nos explicou em uma aula como a fibra
óptica tem o mesmo princípio de condução de luz presente em um broto de
feijão; a mesma analogia vale para os computadores e o cérebro.
Como funciona, afinal, a memória humana?
Em primeiro lugar, temos as memórias de longo prazo ou tardias. A
memória tardia pode ser do tipo explícita (também
denominada declarativa) ou implícita(também chamada
de procedimental).
Há também um terceiro tipo,
relacionada à memória de curto prazo que é chamada de operacional.
A memória explícita é aquela que podemos recuperar como algo claro e
que pode ser enunciado verbalmente. Essa memória pode ser do tipo episódica que
é contextualizada no tempo e no espaço ou semântica, independente
de uma conexão tempo-espacial.
Imagine que você chegou de viagem e está descrevendo sua ida a um
restaurante italiano. Você se lembra quem estava com você, a que horas
chegaram, como era o local, o vinho que tomou (espero que tenha sido um
Barolo) e as iguarias que o acompanharam. Sim, às vezes a comida é para
acompanhar o vinho e não o contrário! Tudo isso é memória episódica,
ligada a um tempo e local específicos. Já o que significa a palavra vinho, o
tipo de comida que é a italiana, com massas ou assados fartos, o sabor de uma
sardella e outras tantas coisas que você sabe e pode descrever mas não se
lembra nem onde, nem quando aprendeu, a isso chamamos de memória
semântica.
Seguindo ainda no raciocínio gastronômico, o modo de manusear os
talheres ou de chamar o garçom e tantos outros procedimentos que executamos
com o corpo sem pensar e talvez até com dificuldade de verbalizar como o
fazemos, a isso chama-se memória implícita.
Por fim, a memória operacional (working memory em
inglês) é utilizada por um curto período de tempo e é apagada para dar lugar
a outras informações. Uma situação típica acontece quando estamos dirigindo e
continuamente olhamos pelos espelhos retrovisores e sabemos, por exemplo,
que existe um caminhão ou uma motocicleta à direita, ou ainda um
automóvel branco à frente e que sinaliza para virar no semáforo. Todas essas
informações são mantidas apenas pelo tempo em que estamos engajados na tarefa
e depois são realmente deletadas dos nossos hipocampos, apagadas para sempre.
Há algum tempo, os cientistas acreditavam que em primeiro
lugar um evento deveria passar pela memória de curto prazo e depois, de
acordo com sua relevância, seria transferido para os sistemas de memória de
longo prazo. Hoje se sabe que os sistemas de memória descritos atuam de modo
relativamente independente.
Cada um dos aspectos da memória referidos acima são formados por
circuitos próprios e específicos. Além disso, os hipocampos, localizados nas
porções mais internas dos lobos temporais, parecem juntar os fragmentos
localizados em certos giros cerebrais e integra-los em eventos particulares.
Assim, as memórias:
visuoespaciais
estão localizadas na região parieto-occipital,
as olfativas nos lobos temporais,
a
noção de tempo nos lobos frontais, enquanto isso, os hipocampos
juntam todos os fragmentos de memórias na recordação de um
único evento em que você viu, cheirou, caminhou ou falou algo em um
determinado lugar e em um certo momento.
Do ponto de vista prático, é interessante compreender que os vários
tipos de memória movimentam áreas cerebrais diversas e utilizar todos os
meios possíveis para fixar um conteúdo é muito interessante. A repetição e o
ensaio mental são uma forma de reforçar a memória, a famosa
"decoreba". Não é tudo, mas ajuda. Também o ato de recontar com as
próprias palavras aquilo que leu, ou seja, formar paráfrases, é importante
para garantir a assimilação do que foi aprendido. Criar esquemas, gráficos,
tabelas e outras formas de apresentação visual ou píctórica de algo que foi
expresso em um texto escrito é mais uma maneira de ativar áreas do sistema
nervoso que não estavam implicadas até então.
Por fim, garantir que interpretou adequadamente o que leu,
reconstruindo a sequencia do pensamento e o encadeamento das idéias do autor
completa um método inteligente de estudar e aprender para toda a vida.
Voltando à questão inicial, dissemos que os seres humanos se
distinguiram dos outros animais pela capacidade de acumulação de conhecimento
que foi transmitido pela história e pela cultura. Talvez pudéssemos usar
melhor nossas capacidades. Se cultivarmos mais a memória das coisas
fundamentais, é possível que lembremos do porquê vivemos do modo que
vivemos e que compartilhamos todos o mesmo planeta. Com isso em mente, poderemos
ter uma atitude mais responsável com a vida de todos os seres e habitar
mais harmoniosamente nossa casa planetária.
pesquei na net
Contato: soares-roger@uol.com.br
Tel:
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quarta-feira, 18 de julho de 2012
Memória
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